quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

O Amor é Cego Capitulo III parte 3

— Consigo, sim. — Uma das vantagens da residência na cidade é que conhecia bem todos os seus recantos. Tinha certeza de que conseguiria chegar até a fonte sem ajuda.
— Bem, então fico aguardando aqui para levá-la de volta pela escada de serviço. Assim vocês poderão ter um pouco de privacidade. Mas tome cuidado.
— Não se preocupe.
— Talvez eu deva acompanhá-la. A senhora pode...
— Nada disso. Sei o caminho e vou bem depressa.
— Não, vá devagar, por favor. Não quero que se apresse e acabe se machucando — Joan recomendou.
Demetria se localizou rapidamente, prestando atenção ao caminho que levava à clareira em que ficava a fonte. Como estivesse em boas condições, apressou o passo, eufórica diante da perspectiva de ver Joseph.
Não vendo um galho à sua frente, Demetria foi de encontro a ele. O impacto e a dor deram-lhe a sensação de ter arrebentado a cabeça. Sem conseguir se equilibrar, tropeçou várias vezes e sentiu que ia cair.
Ao ouvir uma voz ansiosa repetir e repetir seu nome, Demetria finalmente acordou. Levou alguns minutos para dar-se conta de que era a voz de Joseph. Piscando os olhos, sentiu dificuldade para abri-los por causa da dor. Não era uma dorzinha de cabeça, mas a dor de marteladas em sua testa que latejava de agonia. Demetria voltou a fechar os olhos.
— Graças a Deus — Joseph sussurrou em seu ouvido, e ela sentiu um beijo em sua testa.
— Joseph? — Esforçou-se para abrir os olhos. O rosto dele estava quase em foco e mostrava-se preocupado, contemplando-a.
— Como você está se sentindo? Quando a vi dentro da fonte, me assustei tanto. Pensei que você estivesse morta.
— Dentro da fonte? — Demetria perguntou confusa e levantou a mão para tocar no rosto dele, com água escorrendo pela face. — É por isso que estou molhada?
— Você caiu na fonte — começou Joseph vagarosamente, como se assim fosse mais fácil para ela entender. Ele procurou levantá-la um pouco. — Como você se sente? Está tendo visão dupla?
— Acho que não. — Demetria sentou-se, consciente da escuridão que os cercava. Podia ver o suficiente para saber que estavam bem ao lado da fonte. Joseph também estava molhado. Ele devia ter pulado na fonte para tirá-la da água.
Apesar de seu atual estado de pouca visão, conhecia perfeitamente os contornos da fonte. Ela sempre estivera lá. Havia sido seu lugar favorito quando criança. Era enorme em torno, da base, mas bastante rasa. Continha, porém, água suficiente para alguém se afogar.
— Como posso ter ido parar na fonte? O que eu estava fazendo?
— Boiando — Joseph explicou. — Pensei que você tivesse se afogado.
— Será que caí? — Ela se lembrou então de ter se apressado para ir ao encontro dele. Lembrou-se de ter batido em um galho e tropeçado. Ao tropeçar, certamente fora projetada para a frente e caído na fonte.
— Levei um choque ao vê-la na fonte. Como você foi parar dentro dela?
— Vinha encontrá-lo, conforme você me pediu no bilhete, e bati a cabeça em um galho. Lembro de ter tropeçado antes de ficar tudo escuro. Devo ter caído na fonte.
— No bilhete? — Joseph perguntou em tom de surpresa, não prestando atenção a mais nada.
— É, com seu recado. Eu...
— Milady!
Ambos voltaram-se a fim de olhar para a figura escura que saíra da trilha e caminhava na direção deles.
— Queira perdoar a intromissão, mas sua madrasta está à sua procura. Precisamos ir, milady. A senhora ainda precisa trocar de roupa e...— Joan interrompeu o que ia dizer quando percebeu que Demetria estava molhada. — O que aconteceu com seu vestido?
— Está tudo bem, Joan. Acho que me molhei um pouquinho. — disse Demetria, sendo ajudada por Joseph para se levantar.
— Oh! Sabia que devia tê-la acompanhado. — Joan balançou a cabeça, e então pareceu exasperada ao dizer: — Da próxima vez serei mais insistente! Agora vamos.
— Preciso ir. Pena que não tivemos nem chance de conversar, milorde — Demetria desculpou-se diante da insistência da criada. — Tudo porque vim o mais depressa que pude ao receber o seu bilhete.
— Bilhete? — Joseph repetiu, mas as duas já haviam desaparecido no escuro do bosque pela trilha que levava à casa. Ele não havia enviado bilhete algum, mas talvez Mikey tivesse achado difícil falar a sós com ela e tivesse lhe passado o recado por escrito.
Havia pedido ao primo que procurasse Demetria assim que chegasse e pedisse a ela para encontrá-lo junto à fonte. Estremeceu e passou as mãos pelo rosto como que para apagar a lembrança de vê-la desacordada. Aquilo era a última coisa que poderia imaginar ao escalar o portão do fundo e esgueirar-se até o bosque. Todo aquele plano era fruto do desespero. Fazia uma semana que não via Demetria e a beijara. Aquela noite fora para casa sentindo-se no topo do mundo. Tudo o que planejara funcionara perfeitamente. O piquenique tinha sido um sucesso. Ela mostrara-se feliz. O beijo havia sido um prêmio inesperado. Ele não cogitara tomar qualquer iniciativa ainda, mas ela estivera em seus braços, com os olhos brilhando, e os lábios, doces e macios, eram um convite que não podia ser recusado. Ele queria sorver neles os momentos de pura magia que estavam vivendo.
Depois de beijá-la, porém, Joseph dera-se conta de que havia cometido um erro. Demetria era terna e calorosa e derretera-se ao contato dele como manteiga no pão quente, instigando-o a querer muito mais do que simplesmente beijá-la. Por isso tivera de se controlar de forma abrupta. Ao sair da casa dos Devereaux, estava completamente excitado e ansioso por vê-la de novo.
Joseph havia feito muitos planos desde então para, em outras festas, poder separá-la da madrasta e passarem novos momentos a sós. Certamente precisaria contar com a ajuda da mãe, dos primos e até de amigos. Mas de nada adiantara. As duas não apareceram em um único baile desde então.
Como último recurso, ele acabara contratando alguém para saber a razão de elas não estarem comparecendo a nenhum evento e para descobrir situações em que pudesse vê-la. Um ou dois criados foram subornados, mas as informações que chegaram foram de que, aparentemente, não estava acontecendo coisa alguma, ninguém estava doente e as duas não haviam saído de casa a semana toda. Lady Lovato simplesmente declinara todos os convites para os bailes e não recebera qualquer visitante. Até mesmo Mikey não conseguira visitá-las para, a seu pedido, propor um novo passeio de carruagem a fim de que pudesse encontrá-la.
Joseph já receava que lady Lovato tivesse de alguma maneira descoberto o piquenique que haviam feito, mas teve a certeza disso quando Prudhomme fez um comentário sarcástico ao se encontrarem em um dos bailes que comparecera na esperança de ver Demetria. Assim que soube do baile que lady Lovato havia decidido realizar, Joseph idealizou um novo plano. Sabia que ninguém da família dele seria convidado, mas um dos amigos do primo seria e o primo poderia acompanhá-lo, com a única finalidade de marcar o encontro dos dois. Ele escalaria o portão do fundo, encontraria a fonte e ficaria aguardando por Demetria.
Joseph havia saído mais cedo do que o primo, com a intenção de chegar antes do que Demetria junto à fonte, por isso ficara chocado ao encontrá-la boiando, com o vestido e os cabelos flutuando sob a luz da lua. A sorte é que a fonte era rasa.
— Joseph?
Ele ficou atento ao sussurro de seu nome e observou que o primo se aproximava.
— Então você conseguiu entrar. — Parando ao lado de Joseph, Mikey examinou o local com os olhos e balançou a cabeça em aprovação. — Que lugar agradável.
— Para quê?
— Para seu encontro com Demetria, ora. A propósito, ainda não a encontrei para dizer que você estaria aqui. Aparentemente, a criada a levou para mudar de roupa, ou algo assim, e ainda não desceram. Só vim para lhe dizer que não precisa se preocupar. Ela logo estará na festa e eu pedirei que me mostre o jardim e a trarei até aqui.
Joseph olhou para o primo cheio de surpresa.
— Quer dizer então que você ainda não deu o recado a ela?
— Não, como lhe disse, desde que cheguei ela está no quarto.
— Como então ela recebeu meu recado? — Joseph estranhou. — Pensei que você tivesse tido problema de conversar a sós com ela e tivesse lhe passado um bilhete.
— Não. — Mikey franziu a testa. — Você está me dizendo que Demetria já esteve aqui, que já a viu?
— Sim — Joseph afirmou pensativo. — E você nem imagina o susto que levei. Quando cheguei, ela estava boiando, inconsciente, na fonte. Parece que trombou com um galho, tropeçou e, não se sabe como, acabou caindo na fonte.
Joseph fez um movimento para examinar a fonte e depois a trilha que levava até ela.
Mikey teve uma reação de aborrecimento e disse:
— Lady Lovato é uma idiota. A menina vai acabar morta em um desses acidentes, tudo por causa dessa ridícula teimosia de não permitir que ela use óculos.
— Começo a me perguntar se serão mesmo acidentes — retorquiu Joseph, preocupado.
— O que anda passando por sua cabeça, primo?
— Bem, eu não mandei bilhete algum para ela. E se você também não o fez, quem teria enviado?
— Quando você disse que ela havia estado aqui, pensei que tivesse mudado de ideia e, por mais arriscado que fosse, tivesse enviado o bilhete.
— Não, por que enviaria se já havíamos combinado tudo. Além disso, como ela não consegue ler sem óculos, jamais enviaria um recado por escrito.
— A criada poderia ler.
— Poderia, mas acontece que não mandei.
— Quem mandou então?
— É o que eu gostaria de saber. — Joseph deu alguns passos e foi examinar os galhos das árvores. Nenhum parecia tão baixo a ponto de Demetria bater a cabeça. Só se ela tivesse saído da trilha, mas ela teria percebido porque a barra de seu vestido teria se enroscado nas plantas que margeiam o caminho.
Joseph retrocedeu e voltou a examinar a fonte, lembrando-se do ferimento na testa dela. Como teria sido possível ela tropeçar onde terminava a trilha e ter ido parar dentro da fonte? Mesmo que tivesse ficado tonta e se mantido em pé.
— O que você está procurando? — Mikey perguntou, aproximando-se do primo.
— Demetria disse que bateu com a cabeça em um galho e acha que por isso deve ter perdido o equilíbrio e ido parar na fonte.
Mikey olhou ao redor e depois sacudiu a cabeça.
— Impossível. Não há nenhum galho mais baixo do que ela por aqui.
— Não, não há. Mas sabe-se lá como, ela acabou com a cabeça ferida e boiando na fonte. Se eu não tivesse chegado, ela poderia ter morrido. Aliás, foi o que imaginei quando a vi.
Mikey ficou por um momento em silêncio, com o olhar vagando da fonte para as árvores e das árvores para a fonte.
— Você acredita de fato que alguém a tenha incentivado a vir até aqui com má intenção?
Joseph nada disse. Aquilo tudo lhe pareceu ridículo.
Aparentemente tomando o silêncio do primo como uma confirmação, Mikey insistiu:
— Quem mais, fora eu, sabe sobre vocês?
— Não sei ao certo. Minha mãe e Mary sabem, mas, é claro, que nada têm a ver com isso. Talvez Prudhomme também saiba.
— Prudhomme? — Mikey surpreendeu-se.
Joseph assentiu com a cabeça.
— Acho que ele estava no jardim na noite em que minha mãe deu um jeito de ficarmos sozinhos e em que fizemos o piquenique. Não que o tenha visto, e posso até estar enganado, mas um outro dia ele fez um comentário sarcástico sobre beijar Demetria ao luar.
— Hum. — Mikey fez uma expressão de dúvida. — E a criada?
— A criada de Demetria? — Joseph fez uma pausa para pensar. — Acho que Joan sabe de alguma coisa. Foi ela que veio buscar Demetria porque Taylor estava procurando por ela. Não demonstrou qualquer surpresa ao me ver.
Ambos permaneceram calados por alguns instantes. Então Mikey quebrou o silêncio.
— Também, como você pode ter certeza de que não passou de um acidente como todos os outros?
— Por que não enviei bilhete algum a ela.
— Sim, talvez o bilhete tenha sido um trote mesmo, o resto, porém, pode ter sido um mero acidente.
— Mikey, se não vemos qualquer galho em que ela possa ter trombado... — Joseph argumentou, acrescentando: — Não consigo deixar de pensar nos outros acidentes também. Foram tantos. Ela caiu da escada, tropeçou na frente de uma carruagem...
— Ora, Joseph, agora você está exagerando. Demetria enxerga tão mal que não há nada de surpreendente que tenha caído na escada ou tropeçado na frente de uma carruagem.
— Talvez — Joseph admitiu, relutante. — Preciso falar com ela.
— Acho que agora não dá mais para fazê-la vir até aqui. E também já ficou tarde. Se a madrasta havia mandado a criada procurar por ela, deve estar controlando todo e qualquer movimento de Demetria. É melhor você desistir por hoje e traçar um novo plano para amanhã.
Joseph soltou um grunhido que poderia ser de aquiescência, mas seu olhar se deteve na janela do piso superior da casa. Ele notou quando um dos quartos ficou iluminado pela luz de velas e agora podia ver as silhuetas de duas mulheres. A mais alta ajudava a mais baixa a despir peça por peça. Só poderiam ser Demetria e a criada.
— Você ouviu o que eu disse, Joseph?
Relutante, ele desviou o olhar da janela e fitou o primo.
— O quê?
— Eu disse que vou voltar à festa, me desculpar e ir embora.
— Está bem — Joseph concordou, voltando a olhar para a janela. Mal havia prestado atenção ao que o primo dissera, sua mente estava toda concentrada na cena que se passava naquele quarto.
Continuou a observar até que o quarto escureceu novamente. Então decidiu o que iria fazer. Tinha de dar um jeito de chegar ao quarto de Demetria e aguardar pela volta dela. Queria indagá-la melhor sobre o que havia acontecido aquela noite e sobre os outros acidentes que tivera. Assim, ficaria sabendo se havia ou não motivo para se preocupar.
Satisfeito com seu plano, se aproximou da casa para examinar a árvore que o levaria ao quarto de Demetria. Não teria dificuldade de chegar lá.
— A festa acabou mais cedo do que o esperado.
Demetria deu um leve sorriso à observação de Joan e sacudiu os ombros.
— Pois é, acho que Taylor não deve estar nada contente. Fugi antes das últimas visitas se despedirem para evitar a raiva dela.
Todas as grandes festas duravam até quase a madrugada. Levando isso em consideração, o baile de Taylor não tinha sido um sucesso. A madrasta estava lívida. Ela já era nervosa quando tudo estava bem. Seria impossível chegar perto dela no dia seguinte, refletiu Demetria enquanto Joan desabotoava seu vestido.
— Como está sua cabeça? — Joan perguntou, ajudando-a a livrar-se da roupa.
Demetria fez uma expressão de dor. Por sorte, o galho havia atingido sua cabeça do lado e no alto, ferindo-a sob os cabelos, mas não era preciso ver o ferimento para saber que estava lá. A cabeça tinha doído a maior parte da noite. Tudo o que disse, porém, foi:
— Estará melhor amanhã, espero.
— Pronto! — disse a criada, quando Demetria terminou de colocar a camisola. —Eu lhe trouxe um chocolate quente para ajudá-la a dormir logo.
— Obrigada por tudo, Joan. De coração.
— De nada, milady — disse Joan baixinho, encaminhando-se para a porta. — Durma bem.
Demetria acomodou-se na cama. Joan deixara a vela na mesinha-de-cabeceira para que ela simplesmente assoprasse quando quisesse apagar. Foi o que ela fez, tomando cuidado para não se aproximar muito da chama. A cabeça ainda doía muito e sentia-se tão exausta que nem o delicioso cheiro do chocolate a animou a tomá-lo.
Assim que se deitou, todos os seus pensamentos voltaram-se para Joseph, lamentando que tivessem ficado tão pouco tempo juntos e nem tivessem podido conversar. A vida ganhava colorido quando ele estava por perto, pensou e sorriu, deixando-se embalar no sono.


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